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Daquilo que escapa os dedos

  • psihelenabreu
  • 27 de mar. de 2024
  • 3 min de leitura

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“Escrevo por não ter nada a fazer no mundo: sobrei e não há lugar para mim na terra dos homens. Escrevo porque sou um desesperado e estou cansado, não suporto mais a rotina de me ser e se não fosse a sempre novidade que é escrever, eu me morreria simbolicamente todos os dias.” C.L.


Quero voltar a escrever. É comum que eu fique longos períodos sem realizar movimentos com os dedos que determinam justamente o ato ao qual eu tanto aprecio. Houve um tempo em que cheguei até a me esquecer dessa minha capacidade. Há momentos em que as palavras são quase vomitadas, outros, é preciso exercitar. E é onde estou agora. Há momentos em que as palavras escapam os dedos numa velocidade maior do que posso acompanhar, elas vem com urgência. Ao esvaziar-me da necessidade, acabo habitando alguns lugares ocos - uma espécie de nada. Nada a dizer? Muito pelo contrário, certamente tenho muito a dizer. No entanto, é preciso lembrar que tenho dedos. Preciso me lembrar que as palavras precisam ser ditas. Em outro momento já escrevi sobre meu apagamento, e talvez a recusa ao exercício seja mais uma encenação desse meu modo de ser. Não escrevo sobre o dia agradável na praia. Não é muito a minha praia. Escrevo sobre a angústia que perturba e consiste. Escrevo sobre o desarranjo, e o incrível é que a partir daí, me (re)arranjo. Não escrevo poesia. Nem sequer sei o que é isso que escrevo. Mas sei que tem sua poética nisso que acontece. E é isso, preciso permitir que a escrita me aconteça cada vez mais. Assim, com minhas palavras, do meu jeito. 


Estive pensando sobre o respeito ao tempo da escrita, logo em seguida, um dane-se me veio à mente. Ando sempre muito preocupada com um discurso zeloso e cheio de dedos. Ora, que essa mão cheia de dedos seja para escrever. Pois é através disso em que há uma espécie de cura. Lenta e metamorfoseada. É agridoce, e em sua sutileza há tamanha potência que não posso me dar ao luxo de encarar esse suposto vazio como o tempo da coisa. Tempo coisa nenhuma, acovardamento talvez. E seguindo esse raciocínio, me pergunto: me esconder pra que? Se quando escrevo me sinto existindo de alguma forma? E eu preciso mais é existir mesmo. Preciso aparecer. Ouvi de alguém que ouviu de alguém que para certa teoria seria mais difícil colocar no palco o sujeito que se esconde, que tirar do palco aquele que tanto está acostumado a se colocar nessa posição. E aqui não falo, e também acho que não se falava, sobre competir por espaço nesse palco, pois ele é figurado. Considerando que cada sujeito vivo é responsável por sua própria vida, podemos encará-la como esse palco, e se cada um tem o seu, que tomemos nossos respectivos lugares! 


Tudo bem se o que escrevo não é agradável, ou com happy endings. I should warn you, this is definitely not a fairytale. “Mulher, endoidou? Deu pra escrever em inglês agora é?” O texto é meu, não é? Então assim será. É que seguindo o exemplo de Clarice, estou apenas respeitando as palavras que me vem, e se vierem em outra língua, que seja. Esse “que seja” não diz sobre indiferença não, na verdade ele diz sobre liberdade. Novamente, tem muita poética nisso. E não que eu espere que seja compreendida ou para além disso, até apreciada. Mas enquanto digo que quero ocupar um espaço, é porque antes acesso já me foi negado. E agora me nego a aceitar destinos fatais. Quando escolho usar as palavras e o idioma que quero usar, estou sendo livre para escolher. Percebe? Tem cura nisso tudo. Não que eu nunca mais adoeça. Nem sequer falo especificamente sobre um acometimento específico. Mas falo mesmo é daquilo que diz da nossa existência. Está sendo por palavras, mas poderia ser por meio de canções, pelo movimento da dança, pela produção artística manual… o importante é que não se deixe de fazer aquilo que move. 


Inventivo

adjetivo

  • 1.

  • que tem o dom de inventar, de conceber, através da imaginação e/ou do estudo e do experimento, coisas (concretas ou abstratas), ger. originais, ou de criar novos usos para o que já existe."um escritor pouco i."

  • 2.

  • que é fruto, produto da imaginação, da criatividade, da engenhosidade (diz-se de coisa concreta ou abstrata inventada, criada)."trabalho i."


Certa vez, uma amiga desejou inventividade. Achei genial. Se cada um de nós temos um palco, que ele seja ocupado em primeira pessoa, e que seja repleto de inventividade para compor com louvor e horror também - já que não é possível evitar,  toda nossa experiência.


 
 
 

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